Filha de ex-deputado do RS que teve mandato cassado na ditadura, foi preso e exilado ganha R$ 50 mil de indenização por danos morais
12/04/2025
(Foto: Reprodução) Família se exilou no Uruguai em 1966, onde ficou por quase 10 anos sob vigilância. Sede da Justiça Federal em Porto Alegre
Divulgação
A Justiça Federal em Porto Alegre determinou que a União indenize em R$ 50 mil a filha de um ex-deputado do Rio Grande do Sul que teve o mandato cassado durante a ditadura militar, foi preso e exilado no Uruguai durante 10 anos com a família.
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Conforme o escritório de advocacia De Vecchio & Emerim, responsável pela ação judicial movida pela filha do ex-político, ela não quer ter o nome dela ou dele divulgados. No entanto, detalha que, hoje, ela está aposentada e "pleiteava ser declarada anistiada política, requerendo indenização por danos morais e extrapatrimoniais".
"Medidas dessa natureza são extremamente importantes para fins de memória, verdade e justiça, transcendendo os aspectos individuais e a todos contribuindo, notadamente por fortalecer a democracia (...) [A decisão] reafirma a responsabilidade do Estado brasileiro pelas graves violações cometidas durante a ditadura militar, cujos efeitos ainda se fazem sentir nas vidas de inúmeras pessoas, direta e indiretamente atingidas, esquecidas e sem acolhimento", disse em nota (leia ela, na íntegra, abaixo).
O pai dela teve o mandato de deputado estadual cassado em 1964, foi preso e sofreu perseguição política por parte do regime militar. A família se exilou no Uruguai em 1966, onde ficou por quase 10 anos sob vigilância.
A Justiça Federal negou o pedido de reconhecimento da condição de anistiada política, pois não há previsão legal para quando se trata de uma pessoa que sofreu as consequências de uma perseguição política contra um terceiro – nesse caso, ela, por ser filha, foi penalizada pela perseguição que o pai sofreu. Também negou o pedido de indenização por danos patrimoniais, pois não houve provas de perdas dela nesse sentido, pois, na época do exílio, era uma adolescente que dependia dos pais.
Mas o juiz Rodrigo Machado Coutinho entendeu que ela deveria ser indenizada por danos morais.
"[A] autora acompanhou os pais no exílio, permaneceu apartada de sua cidade natal, da comunidade brasileira e do restante de sua família. Não bastasse o isolamento, viviam sob constante vigilância, com medo e sem liberdade de se movimentar pelas ruas. Diante disso, passou grande parte de sua adolescência envolta à perseguição à sua família, situação que perdurou por anos, sendo possível visualizar danos morais reflexos", disse o magistrado.
A União, em sua defesa, alegou prescrição da pretensão e inexistência de responsabilidade civil. Ela ainda pode recorrer a uma instância superior da Justiça para tentar reverter a decisão.
Nota dos advogados
"A recente decisão da 6ª Vara Federal de Porto Alegre, proferida em 29/03/2025, reconhecendo o direito à reparação por danos morais à autora, filha de ex-preso, perseguido e exilado político, reafirma a responsabilidade do Estado brasileiro pelas graves violações cometidas durante a ditadura militar, cujos efeitos ainda se fazem sentir nas vidas de inúmeras pessoas, direta e indiretamente atingidas, esquecidas e sem acolhimento.
Independentemente do tempo transcorrido e de eventuais medidas já adotadas, muitos direitos relacionados às graves violações à dignidade da pessoa humana praticadas durante a ditadura militar veem-se preservados, sendo possível o exercício dos mesmos nos dias atuais.
Nos últimos anos, essa possibilidade, relacionada ao legítimo exercício desses direitos, vem se fortalecendo. Movimentações individuais e coletivas têm sido notadas, bem como a viabilidade de acesso a acervos documentais outrora inacessíveis. Encaixando as peças e reconstruindo a história, é possível identificar com precisão os fatos ocorridos e os direitos existentes.
Atualmente, um dos instrumentos cabíveis costuma ser o processo judicial de reparação, oportunidade em que o abrigo do Judiciário confere uma resposta necessária às vítimas, inclusive para fins de elaboração das experiências e dos traumas ainda latentes, reforçando, igualmente, o dever de o Estado brasileiro lembrar os erros do passado e remediar, ainda que tardia e minimamente, os danos brutalmente causados.
Cediço que nada apaga o que aconteceu, tampouco paga pelos prejuízos causados; porém, medidas dessa natureza são extremamente importantes para fins de memória, verdade e justiça, transcendendo os aspectos individuais e a todos contribuindo, notadamente por fortalecer a democracia. A manutenção e a elevação da democracia são frutos de uma marcha permanente, a qual não pode ser relegada, cabendo a cada cidadão fazer a sua parte. Retornando à decisão da 6ª Vara Federal de Porto Alegre, cumpre mencionar que a autora daquele processo judicial fez a sua parte.
Ela viu seu pai, então Deputado Estadual, ter mandato cassado em 1964, ser preso e perseguido político, tornando-se alvo de um Inquérito Policial Militar. Outros membros da família, do mesmo modo, passaram a ser presos e perseguidos, enquanto a residência era constantemente vigiada por agentes da repressão, sem que sequer houvesse notícias sobre o paradeiro do pai. Desamparada, também financeiramente, a família precisou vender diversos bens para se sustentar e prosseguir na busca do genitor.
Em 1966, sem mais alternativas, a família buscou refúgio no Uruguai, onde permaneceu por longos 9 (nove) anos. Mudanças de residência, colégio, idioma, cultura etc. Afastamento da terra natal, quebra de laços socioafetivos, sensação de não-pertencimento, limitações diversas acompanhadas dos piores sentimentos, enfrentando uma luta diária pela sobrevivência. Isso tudo, muitas vezes, em fase inicial da vida, de formação, sabendo-se que a infância, inclusive, é um terreno em que se pisa a vida toda.
O Judiciário corretamente entendeu que esses e outros danos foram consequência da ditadura militar, a qual desestruturou lares, desestabilizou vidas e semeou uma eterna insegurança. Processos judiciais como esse e outras tantas medidas dessa natureza servem também para que nunca se esqueça e nunca mais aconteça".
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